domingo, 3 de março de 2019

Sobre ser mãe

Eu fujo de escrever sobre isso. São tantas pontas, e todas elas terminam em mim mesma. A maternidade é solitária, é solitária porque a gente não se reconhece, porque vamos construindo juntas, cada pedaço, cada sensação nova. A maternidade é um precipício, uma montanha russa, um parque de diversões. A maternidade é dura. seca. oca. Eu não consigo mais dizer de mim. E eu mudei tanto. As roupas, o cabelo, a cara, os medos, os sonhos. Mudei o jeito de ver a arte, de encarar a vida, de seguir os planos. Muitos amigos se foram, outras mães chegaram, alunos, crianças, amigos. Um ciclo que assusta. Da arte, hoje em dia, eu não espero muita coisa, só esse amor que sustenta tudo. É meu jeito que resta e que ampara esse meu mundo torto. Aprendi desde nova a abandonar as decepções, hoje eu convivo com elas, são intensas e diárias. Não se fala muito das durezas maternas, é um pacto silencioso que fazemos com o universo. O problema é que eu nunca gostei de ficar calada. Hoje, aos 32 anos, eu sei que escrever me salva, e o teatro sou eu. Eu e meus enredos, minhas armadilhas,  minha dramaturgia autoficcional. Com Aurora aprendi a dormir cedo, beber menos, e superar o cotidiano. Aprendi também que a vida é dura pra muita gente, e que devemos tentar, ao máximo, aliviar as dores ao nosso redor. Entender nossos privilégios, perdoar a ignorância e superar o ego. A maternidade é  pura insegurança, culpa, e esse amor absurdamente intenso. A maternidade são noitadas ao lado do berço, e virotes de feriado arrumando a cama, a casa, a mala e o corpo. A maternidade pra mim foi a mesma coisa que rasgar a pele e se ver de dentro. Um corpo cheio de feridas, uma alma cheia de sono. Vez ou outra eu lembro do meu parto, ou, do dia em que morri um tanto. Minha sensação foi a de um túnel longo e escuro, uma força que eu não sabia que tinha, mas também um medo que vinha de não sei onde. Que vem... O medo e a força, de tudo isso junto transborda o amor e a alegria de poder viver raridades. Lembro da Aurora me rasgando toda, e a sensação de que eu não aguentaria, mas antes mesmo de finalizar o raciocínio, uma força bruta surgia do ventre, e ela descia mais, e eu sabia que conseguiria. Apagava. Meu corpo sucumbia. Nesses instantes eu não era mais aquele amontoados de ossos, eu era um canal de luz que sentia chegar a vida. Morrer deve ser assim, um parto. Quando a cabeça dela saiu eu uivei, gritei.... depois o corpo, o dela e o meu, nascíamos.  O Carlos me segurou, eu segurei a Aurora, e aquela energia inexplicável da vida. Depois que eu pari acho que aprendi a conviver com a morte, e penso que o fim é só um novo começo, um ciclo. Talvez seja isso, a maternidade. A força da vida e a potência da morte.  Eu quero engolir o mundo, mas antes eu preciso aprender mais sobre mim mesma, sobre minha morte e meu começo, sobre ser mãe e continuar sendo, todos os dias, ininterruptamente, a Dayane e a mãe da Aurora. Eu também escrevo do meu túmulo, Clarice. Meu berço de terra fértil, minhas sementes e meus sonhos. A maternidade é minha cova profunda onde eu planto recomeços. A maternidade é minha beleza, o broto que cresce, a água que da força, a terra que fertiliza. Mais uma vez eu sinto ela me rasgando toda, e eu uivando pra lua cheia o medo e a força.