Ele sorvia-se de mulheres. Dezenas. Comia cada centímetro oferecido em todas as belas bandejas baratas. As poucas intensas e interessantes que encontrava pelo caminho ele temia. Logo largava exposta em qualquer esquina, em qualquer beco sujo cheirando a mijo e cigarro.
Eu entrei e tentei ficar. Tirava dele o pior. Espremia e arrancava.... esfregava na cara todos os sapatos velhos, as roupas apertadas e as escolhas insensatas - não que ser insensato seja algo desinteressante, mas sua insensatez era estupida e mal cuidada -.
Um dia, depois de ter transado com uma pequena qualquer, ele voltou para casa. Colocava a camisa no canto e demorava horas no banheiro. Comia, deitava, lia... Tudo em silêncio, um silêncio absoluto de quem não se entregava. Pelo cheiro eu sabia. Pelo olho eu adivinhava. Meio bruxa apanhava os indícios.... Ele enlouquecia, confessava. Uma, duas, três, quatro...milhares de transas fúteis e banais. Um gozo morto, sem nexo e pouco provável. Gozava no peito, na boca, no sexo. Depois sofria, arrependia. E eu continuava. Era gostoso aquela história meio sado, meio paradoxal e dolorida. Eu queria o máximo, o máximo que aquele ser poderia me oferecer. Busquei cada pedaço de sua alma, mesmo aqueles que me faziam tremer... eu amava.
Ele pedia perdão, mandava flores, escrevia músicas... e nada me bastava, talvez no fundo eu quisesse ver intensamente e imediatamente o seu pior. Não sabia se conseguiríamos, mas continuei...eu amava.
Um dia ele chegou em casa meio morto, confuso, quebrado. Arrancou as roupas, me abraçava e apertava. Chorava delirantemente, me contava tudo, e dizia que tinha medo de todas essas suas infidelidades. Por um instante ele me perdeu. Desisti porque não sabia mais se amava. Na minha teimosia... eu continuei. Dias depois eu continuei. Estava cansada, acabada, fraca e um pouco sem rumo. Aquilo que me propus era farpa, ferro arranhando a garganta, dores imensuráveis no peito, noites de insônia, rouquidão. No sexo eu imaginava tudo, pensava em tudo. Todas as bocas, os corpos, os cheiros. O que mais me incomodava eram os cheiros. Sempre achei cheiro uma coisa extremamente importante na relação de reconhecimento, eu não sabia mais se ele reconhecia o meu, e o dele era disperso, misturava-se com todas as excitações sentidas e vividas, eu não me concentrava. Arrumei as malas, fui embora, sumi por dias, mas depois voltei. Com flores no cabelo e um cheiro forte no pescoço, eu, aquela que tanto foi apunhalada, voltava e pedia perdão. Transávamos a noite toda, um enroscando-se no corpo do outro, o outro adormecendo nos braços e no colo de uma continuação que não sabia-se mais se era amor.
Fotos, horas, momentos, declarações, promessas, sonhos, desejos....tudo enredava o próximo futuro de nós dois. Mas o passado é marca, cicatriz dolorida na alma... Não esqueço, não esqueci. E em uma noite improvável ele encontrou uma linda menina de cabelos lisos e longos. Mandou música, email, mensagem. Um cinema, um desejo... naquele meu estado meio bruxa eu sabia. Bebi muitas cachaças e gritei na rua. O inferno da sinceridade nos consumia. O sabor da distância nos apagava. Mandei sumir, vociferei!
Comprei um vestido branco, decotado, sensual. Engoli quase uma garrafa de vinho inteira. Tive alucinações, sai, falei, chorei e depois de tanto tempo uma outra mão masculina, que não era a dele, tocava meu sexo, embriagada pela desistência e o medo do amor desleal eu tentei. Abri as pernas e o decote, tirei a calcinha, fumei um cigarro e senti. Meu corpo fervilhava de tesão e sofrimento.......................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... No momento exato daquela vingança, pouco sensata mas necessária, eu corri. Não conseguia....não bastava, não dava, não colava. Eu não era assim. Pouca intensidade e gozo somente por necessidade, me repudiava. Eu não era ele. E mesmo que naquele instante deseja-se ser, eu não era. Voltei para casa suja e estuprada por mim mesma. Chorei como nunca pela quase traição que me acometia. Um dia em coma. Um dia inchada. Um dia cinza e com gosto de fracasso na boca... eu ainda amava. Impressionante, mas depois de tudo.... eu ainda amava.
Abri a porta e, mais uma vez, voltei. Estávamos em trapos, eu e ele. Mas nos amávamos nas nossas contradições e passado de cicatrizes. Ele se manteve fiel, e eu sempre a mesma.
Hoje ele sumiu. Apareceu nesse instante, com a gola suja e o discurso antigo de sempre. Gelei os pés. Esfriei de alma. Mas aquela coisa meio bruxa acendeu seus olhos, acendeu seus olhos e eu vi... eu vi!Vi que ele me amava... e que talvez tenha tentado continuar, mas não conseguiu, não conseguiu porque pela primeira vez, de corpo e alma e com todas as partes do corpo....ele me amava. Eu vi!Ele me amava....