Eu queria que fosse lindo acordar, todos os dias, uma vontade imensa de querer a vida, um desejo florido de amanhecer. Um brilho, um amor, um carinho....
Quando eu era pequena brigava com meu irmão pra passar o final de semana na casa da minha avó, eu sempre ganhava, eu sempre ia, e naqueles dias eu mal conseguia dormir direito só esperando o sol brotar na janela e a brasília azul da minha avô estacionar na porta de casa, aquela casa de caminhos de terra, paredes bem pintadas e vazios pelo canto dos quartos... era tudo mais simples. Eu gostava de estar lá, deitada no colo da minha avô assistindo A Praça é Nossa, no SBT, não me importava o significado, eu só sentia o colo quente, o amor na mão dela mexendo nos meus cabelos, e meu coração acalentado.
Eu gostava de brincar com a mangueira na rua, molhar a varanda inteira, as plantas a calçada, o cabelo, as pernas, eu ria tanto, ria de tudo, aqueles pés gelados no asfalto, uma certeza de milagre nos olhos da minha avó, eu a amava, e era esse o motivo de tudo.
Me lembro quando fugi de casa, naquela época minha avó tinha ido morar com a gente, em fugi em uma manhã fria, antes da escola, voltei na noite de sábado, quando coloquei a bolsa em cima da cama, depois de ouvir o sermão da família toda, minha avó me abraçou e me disse: “Você fugiu porque eu vim morar aqui com vocês?se você quiser eu me mudo!”. Ela só não sabia que o motivo de ter voltado era ela.
...Agora eu só queria um motivo!
Gostava dos bolinhos que minha avó preparava pra gente, da pamonha de sal, do feijão, dos doces, do mingau de milho, dos almoços de domingo... eu sabia que ela me amava tanto....tanto... era lindo... eu gostava de pular na cama enquanto minha avó preparava a janta, gostava de fazer massagem nos seus pés finos e bem cuidados.
Naquele tempo eu subia em árvore, corria na rua, brincava com meus irmãos. Dava leite pro Vitim...
(por impotência, escolha, medo, raiva....eu ainda não sei, me distanciei de tudo, de todos, e o que sinto é uma solidão imensa nessas tardes de domingo, nesses feriados ruidosos e cinzas...)
Quando minha mãe esteve doente eu senti uma falta imensa dela chegando mal humorada do trabalho e pedindo pra gente arrumar o quarto. Eu sentia falta dela naquelas tardes simples de sábado... minha mãe tinha cheiro de maracujá nos cabelos, minha avó tinha cheiro de alecrim...
(às vezes é mais fácil fingir que não foi difícil, que não faz falta, que esqueci... mas às vezes, subitamente, me lembro de detalhes tão simples... rodeados de amor... e dói tanto)
Eu e o Vitim, pegávamos um ônibus e ficávamos dando voltas e voltas pela cidade, tomávamos sorvete escondido, na conta da minha mãe, voltávamos pra casa e íamos brincar de qualquer coisa no jardim, tinha dias que eu me pegava olhando pra ele... e minha alma esquentava tanto... não importava o resto, aquilo valia a pena.
Eu e o Dede éramos inseparáveis, ele de Dezembro e eu de Janeiro do mesmo ano, 1987. Teve um dia que meu pai veio na escola me dizer que meu irmão estava internado, eu chorei muito muito muito, fui direto pro hospital, quando cheguei lá segurei a mão dele e disse: “Seu bobo, desse jeito você seca meu coração!”, dei um beijo na bochecha dele e voltei pra escola, eu sabia que ele ficaria bem.
(quando cheguei nessa nova cidade, o que mais doía era a falta do Dede me enchendo o saco antes de dormir, “Dada, faz carinho com o palito de dente nas minhas costas?por favor por favor por favos...faz?” eu fazia...)
(Não foi pra morte que perdi todos eles...que perdi tudo isso...foi pela ânsia de um desconhecido aparentemente prazeroso, aparentemente seguro, aparentemente meu)
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Tem alguma coisa doendo muito aqui dentro, alguma coisa que não encontra motivo...
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Quando eu era pequena meu pai costumava aparecer na casa da minha mãe as 6h da manhã, eu e meu irmão pulávamos a janela e íamos pra casa dele tomar café da manhã. Duas horas depois min há mãe aparecia brava e buscava a gente, eu e o Dede olhávamos um pro outro e riamos... naquele olhinho tinha tanto amor e cumplicidade...era lindo!
(mãe, me desculpa?!por tudo que não fiz, por tudo que fiz de errado, por tudo que deixei passar...Eu te amo tanto!)
Eu queria dizer pra vocês que hoje eu escolheria ficar, eu escolheria o aconchego da família, a confusão dos parentes, o colo da minha avó. Escolheria ver o Vitim crescendo, o Dede casando, o meu pai tendo outros filhos, a minha mãe reclamando da casa suja e me amando nos seus quase diários silêncios. Hoje eu não teria ido embora...e deixado pra trás meus motivos...
Eu queria aquele amor de domingo mãe.... só isso!
“Você dizia: Não é amor de menos, pelo contrário, é amor de mais. “