quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Entre a carne e a unha

- Cê vai voltar realizada de lá.

Voltei, Sheila!

Voltei querendo cuidar, cuidar de cada canto que me é importante. Voltei desejando menos álcool, menos medo, menos surtos, menos cigarros e muito mais água. Muitas flores e incensos. Milhares de noites na varanda e tantas manhãs correndo no sol quente. Voltei desejando o simples, adindo a ansiedade e plantando minha horta. Então eu pensei que quando o amor se derrete em suspiros cotidianos, basta. E bastar passou a ser suficiente. Há de ser verdade esse céu mais azulado... Há de ser intenso essa terra entre a carne e a unha.

A boca e a vagina são feitas das mesmas substâncias, ambas têm fome.

Eu não sei o que aconteceu comigo, Sheila.  Mas alguma certeza se assentou na sala, e por lá passou a deslizar delicadezas tão perfumadas... Agradeço! Agradecida a vida dos furacões e dos pulmões. Agradecida ao vulcão da minha infância e a floresta da minha adolescência. Hoje meus pulmões pedem uma pausa, e eu sinto como se um pedaço do meu corpo tivesse ficado para trás.

Aquela moça dançando de vermelho no meu quarto era eu. Era eu e todas as mulheres que tem me cercado de pulsões, convulsões, expurgações. Nossas curvas são feitas em conjunto. É difícil sentir o amor dentro da gente, mas é como se eu me abraçasse por dentro e dissesse: vai dar tudo certo! E pela primeira vez eu sentisse a realização dessa certeza.Ela não se finca como uma estaca invencível, pelo contrário, essa certeza é lenta e maleável, escorregadia. Mas ela me acalma e me faz sentir a chegada de novos ventos.

Que assim seja, Sheila.

Que assim seja!


Obrigada por existir tão intensamente nesse mundo. 

"(Não fazia frio, salvo em ter que recomeçar a vida.) E tudo aquilo - toda esta frescura lenta da manhã leve, era análogo a uma alegria que ele nunca pudera ter." Fernando Pessoa

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