quinta-feira, 21 de junho de 2012

Verônica, Paula, Maria ou ela.




Era uma mulher de cabelos curtos e uma pele lisa que mais parecia um veludo antigo, sem poeira, com um perfume que perdura inevitavelmente. Ela possuía a capacidade felina de se esconder nos cantos, alisando as pernas dos convidados, fazendo-se parecer mansa e melancólica, uma onça sem dentes. Perdia-se nos cenários que criava, acabava por vezes deixando de existir, morria um pouco, esgotando suas sete vidas no intervalo entre uma estação e outra. Inverno, quase sempre inverno, ela chovia por dentro e tentava ser feliz, mesmo que ser feliz se justifisse na força contrária de um pouco de tristeza naquele olhar sem rumo, sem nexo, sem pretexto de um horizonte definido. Sentia-se como os pés sentem a terra ou o asfalto que atravessa o calçado, fincando o solo e os nervos de quem anda sem saber o caminho. Seus pedaços eram colados em frente ao espelho e ela sorria quando a restauração se aproximava da parte de dentro. Essa mulher não sabia muito das coisas da vida, exceto o preparo de um bom macarrão ou a fórmula secreta dos cremes dentais. Mas sentia, sentia tanto que passava dias escondida embaixo da cama, curando as feridas do outono e se preparando para as cicatrizes da primavera. Não era fácil ter em si os cabelos curtos e a pele de veludo, nenhuma mão era forte o suficiente para cuidar do aço das pernas e do chumbo da alma, doía... No frio um pouco mais. Um dia ela decidiu que seria melhor, melhor e mais. Desde essa época, que não demora muito a se rememorar na lembrança e trazer no corpo os arrepios do presente, ela especializou-se na construção de um novo tecido. Dedicava três ou quatro horas, que lhe restavam de um dia inteiro, para fabricar uma pele nova, um osso novo, um dentro mais forte e um fora mais leve. De alma não sabia muito e essa foi a fase mais difícil da composição. Descobriu que juntando um pouco de chuva, os galhos secos que caiam das suas plantas, uma frase ou outra, um pedaço de queijo minas, chás e suco de maracujá, era possível reconstruir aquele seu pedaço já em pedaços, que um dia alguém que ela não sabe quem, deu o nome de alma. Passou dias e meses e anos trabalhando na penumbra desconhecida, quando se decidiu pelo fim, estava tão sozinha que não soube a função do seu novo tecido. Era na solidão que o tecido servia. Era somente pra ela a falta de sentido, os pedaços secos das plantas, os pingos da chuva ou o suco de maracujá. Eram nos olhos, que se diziam fundos, que ela sentia o gosto de ser a felina enroscada nas fábulas sem cenário, nos enredos sem finais, nos roteiros desconexos e surrealistas. Somente pra ela sua vida fazia sentido, seu tecido novo, sua alma velha, seus pedaços colados com cuidado e sua forma desfragmentada com o tempo. Exclusivamente patenteava a criação de ser ela mesma, apesar de doer no inverno e no outono permanecer escondida embaixo da cama. Somente ela saberia dizer sobre suas construções e seus caminhos, apesar de possuir no dicionário uma definição que algum dia, um velho rapaz e uma jovem senhora, criou pra si.  Pode-se dizer que ela seguiu, ainda no escuro, mas iluminando-se no verão que chega e escurecendo-se na primavera que acaba de findar. 

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