No meio da tarde ela começava a pressentir a dor dilacerante chegando nos ossos, buscava então qualquer fórmula externa que expurgasse a sensação dos pés gigantes, dos pés roxos e enormes, dos pés que doíam. Um dia ou outro ela encontrava, mas dependia sempre de alguém, e isso nós já sabemos.... depender do outro para aniquilar qualquer tipo de dor inexplicável e, não comprovada cientificamente, é fracasso. Ela fracassava quase constantemente.
Um dia seus pés cresceram tanto, de tal maneira que ela caiu, não conseguia se levantar, no quarto gritava sozinha, as paredes não respondiam, nem as plantas, mesas ou panelas. Ela pedia ajuda pra privada, pra pia, para seus sapatos embaixo da cama, mas nada era como gente, nada criaria alma e entenderia que ela precisava de ajuda. Milagrosamente, depois de dias de gritos homéricos e ensurdecedores, depois de não aparecer no trabalho, na escola, na padaria, os vizinhos apareceram!Os médicos, os amigos, a família, o padeiro...mas as pessoas, assim como as coisas , não agiam. Ninguém a puxava pra cama, ninguém a levantava, ninguém perguntava sequer se ela precisava de ajuda. Elas olhavam, em silêncio elas apreciavam a cena. Compraram pipoca, coca-cola, sucos e cerveja. Fritaram pastéis, coxinhas, empadas. A plateia estava bem aconchegada, bem organizada e não perdiam o espetáculo. A fama da mulher de pés inchados, atravessou o continente!Africanos, Turcos, Ingleses, Mexicanos, Árabes, Italianos, pobres, ricos, donas de casa, empresários, lixeiros, cozinheiros... Todos despencaram para o GRANDE SHOW!O show da mulher caída de pés inchados, roxos, enormes e estranhamente doloridos. A imprensa transmitia ao vivo seus gritos, os jornais lançaram suas criticas contra o que parecia irreal, os fotógrafos não cansavam de procurar o melhor ângulo dos pés. Todos em prol da mulher caída, dolorida, enlouquecida, de pés roxos e inchados. O mundo comia pipoca e apreciava o SHOW!Foi aí que a mulher de pés inchados se fez de forte, e no meio da multidão entretida, arrastou-se até a gaveta, pegou uma tesoura, e cortou os pés!Depois os enterrou na terra da planta. Nesse exato momento ela ficou fria, perdeu a cor, o brilho da dor nos olhos. Levantou-se no toco das pernas, exausta, adormeceu. Um a um o público foi perdendo o interesse, voltando para suas casas, encontrando seu cotidiano. Em um minuto o mundo se esqueceu da mulher de pés inchados e, interessantemente, doloridos. Ela continuou dormindo... e dormiu enquanto o mundo se esquecia dela!
Eu não sei como terminou a mulher de pés inchados. Assim como as paredes, eu permaneci quieta, e assim como as pessoas, eu simplesmente assisti ao show e depois fui embora.
Hoje é quinta-feira, lembrei da história da mulher de pés inchados depois que tentei dormir e, algo embaixo das cobertores, começou a me incomodar..... doí tanto...
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