Uma chuva fina. Tudo muito fino e muito liso escorrendo por entre os dedos. O ar estava fresco, na pele aquele arrepio de frio alisando os pelos. Na janela pairava um cheiro de orquídea, por traz dos olhos as lágrimas eram construídas, uma a uma, como se constroem os sonhos de crianças adormecidas. A primeira lágrima veio da lembrança do medo, da constatação da dor. Dentro era vazio, e os vasos por onde corriam o sangue espremiam as vontades de ser. Os pés tocavam o chão, por inteiro. Da mesma maneira o peito tocava o vento, inteiramente exposto, inteiramente aberto, e aquilo...ah! Aquilo doía também. Das pontas dos dedos da mão veio à inspiração da próxima lágrima. Uma mão fina e lisa, como tudo que se sentia perto. Daquela mão veio à certeza, e das pontas dos dedos uma traição alinhada e suave, como aquele pano de seda amarelo, escorrendo do muro ainda em tijolos, como escorrem as lágrimas no rosto de quem as construiu. Do centro do umbigo criou-se outra lágrima. Essa era maior, mais firme, pomposa, presente. Essa lágrima veio do ventre, daquele fundo escuro que embalava a segurança, mas que foi partido e abortado.
Três lágrimas, durante a chuva fina e lisa foram construídas três lágrimas. Imensas, sinceras, doloridas e suaves lágrimas. A noite era silenciosa, e junto dela permanecia o cheiro de orquídeas e os soluços. Dentro nascia uma pequena felicidade...
Nenhum comentário:
Postar um comentário