Era tudo de um brilho revirante. Aqueles olhos de menino doce, de menino perdido, de menino carente. Aquela cara de quem tenta, mas não acredita. Achava lindo seu colchão de ar. Adorava suas roupas espalhadas pelo quarto, sua mania de tomar banho. Ele tinha mãos suaves e um aconchego bonito de se sentir. Gostava quando ele deitava no meu colo pra ver filme, e eu sorria, eu só sorria, em silêncio eu sorria e agradecia a Deus. Depois de acordar ele fazia o café, eu comprava o pão. Naquele apartamento quente minha alma era primavera, eu me deliciava com tudo, suspirava por tudo. Cada música, cada jeito, cada gesto, cada palavra. Tudo de uma perfeita imensidão . Quando ele pegava o violão meu coração apertava e eu nem sabia o que fazer pra não chorar. Minha vida parecia fazer sentido, e naquele instante tudo bastava, tudo valia a pena. Depois caminhávamos de mão dada, eu sentia aqueles dedos frios entrelaçados na minha mão seca... o céu brilhava mesmo depois da chuva, e o supermercado era lindo com suas pessoas chatas e mal humoradas. Eu me divertia com tudo!Não sabia até quando aquilo duraria, mas pra mim, cada momento era eternidade. Eu fechava os olhos e agradecia, agradecia o vento, a coragem, as coincidências e aquela mão segurando a minha. Seu cheiro era flor!Seu toque era relva!Seu beijo era alguma coisa como sorvete, brigadeiro e leite condensado...tudo junto...um gosto de esquentar os pés. Eu queria nunca ter sofrido por nada, nunca ter visto o que eu não queria ver, queria não pensar naquele colchão e naquelas coisas com um cheiro que não era o meu. Queria não lembrar do Belas Artes, não saber do Otto. Queria não ter visto o céu em tempestade, nem tremer tanto antes de dormir. Mas eu vi, eu senti, eu li, eu estremeci e não dormi. Vive todas essas coisas... e hoje...ah.... hoje tem cachoeira, tem casinha com cama de casal e plantinhas na varanda. Tem José e vinho com queijo. Tem telefone de manha e mensagem a noite. Tem ferida mas tem profundidade, tem passado mas tem um futuro maluquinho e esperado. Um presente mais real!Hoje tem “eu te amo”, hoje tem alguma coisa que tomou raízes com o tempo... e não existe raiz sem dor de terra, não existe raiz sem solo ferido, não existe raiz sem a escolha da permanência. Como uma árvore com frutos, sem frutos, com folhas, sem folhas, com flores ou sem flores eu permaneço. Permaneço porque o céu daqui é muito mais bonito!!!!
"e não existe raiz sem dor de terra, não existe raiz sem solo ferido, não existe raiz sem a escolha da permanência".
ResponderExcluirNossa, lindo isso, perfeito... e lindo todo o texto Day... gostei muito!
Lindo de verdade! Me inspirou. Obrigada, flor!
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