sábado, 9 de abril de 2011

A insustentável leveza de ser Sofia

Ela sabia que a doença toda estava nela. E não era possível removê-la de si mesma, ou arrancar a parte indesejável. Cada pedaço seu te pertencia. Sofia temia o horror de existir. Não suportava a palavra doce que se perdia dentro dela, uma labuta diária era a forma como continuava. Um dia ela tentou arrancar os cabelos e mudar a configuração de sua cara, nenhuma tentativa resolvia aquela amargura de ser Sofia. Tomara álcool na manhã de domingo, o copo de vidro, amanteigado pela gordura suja que envolvia tudo a sua volta, escorregará antes de alcançar a boca, ela sorvia. Engoliu direto da garrafa a bebida quente e amarga. Tomou remédios, cortou o braço, rasgou papéis e dormiu. Acordou na terça e ainda era ela. No espelho a mesma imagem e dentro dela a mesma sensação horrorosa de se pertencer. Sofia existia feito céu em dia de tempestade, e o que vinha de dentro era relâmpago e trovão anunciando a chuva. Em todas as estações o mesmo filme. E o pior.... a culpa toda vinha dela. Dela que não via, distorcia e não bastava. A insustentável leveza de ser Sofia. A insustentável tarefa de se carregar na vida. O insustentável dever de continuar....
A importância de tudo estava perdida. A doença que Sofia carregava era só sua e não comprimia a dor de pertencer a ninguém. Em nenhum dia a leveza simples de abrir os olhos fazia parte de um estado Sofistico. Em cada manhã ela regojizava o simples fato de nada bastar em si. Detestava sentir tanto e rezava incessantemente ao Deus de dentro. Pedia um pano ou uma torneira. Uma porta ou uma chave. Um tinta ou um solvente. E não vinha.
Sofia era Sofia, e não a nada mais dolorido do que o reconhecimento da verdade indesejável. Ou a constatação de um terceiro braço, uma terceira perna, um terceiro olho ou um dedo a mais pendendo no corpo pequeno de alguém que ainda não aprendeu estar na vida.


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