sexta-feira, 15 de abril de 2011

A raminéia ruminava

A raminéia ruminava
Para, Samuel sudré
Ele queria qualquer coisa que coubesse dentro dos sentidos incabíveis. Mas nada era como ele queria. E os dias se arrastavam, todos. Aquele café amargo de todos os dias. Acordava às 11h –dormir cedo era impróprio – ao som de Elis ou Gal, preparava o café, antes dos dentes. Enquanto a água fervia, fumava um cigarro. Depois o café amargo. Mas de uns dias pra cá, o café não descia. Com açúcar, sem açúcar, com adoçante, ralo, amargo. O café não digeria. Aquilo vinha estragando seus dias. Amassando sua cara, suas costas. Não conseguia fazer mais nada. Tentava um almoço, um trago, algum estudo, e nada. Acendeu uma vela, um incenso, apagou a luz, abriu as cortinas, ligou “Secos e molhados”, enjoou, vomitou, tentou yoga, meditação, nada funcionava. O café não descia. Ele não dormia. Porque diferente de muitos o café não dava ânimo, nem energia ou, qualquer coisa dessas. Era só um vício. Um desejo que, não realizado, causava náuseas, amnésia, insônia. Realizado...Bem, realizado, tudo funcionava normalmente.Não era dessas coisas pra gente dizer que fazia mal. Não era mal. Não isso. Era alguma coisa mais nova, sem palavra. Talvez, reminéia.É! Isso mesmo! Reminéia. Essa palavra era dele e só dele era ela. Pertenciam-se um ao outro. Redundantes. O café não pegava. Tentava ligar, desligar. Tomava banho e fazia uma prece. Olhava pra xícara antes de tomar, depois tentava o contrário. Mas... Nada. Exatamente nada, não funcionava. O café não podia. Aquilo atrapalhava sua vida. Os trabalhos não terminavam. A roupa continuava suja. A casa mal arrumada. Ele ia ia ia ia ia....E nada!Insustentável. O café não cabia. Ele enlouquecia. Fumava maconha, cheirava cocaína, e respirava craque. Nada adiantava. Nem os sucos, o arroz integral, as verduras. Isso não funcionava nunca. O aperto se mantinha. E aquilo que não fazia mal continuava não fazendo bem. Era duro viver. Era rocha, pedra, poste. Fazia dele qualquer coisa menos que objetos. Menos que as promessas e as rezas das velhinhas, vizinhas da casa de infância. O café não existia. Ele mantinha-se ruminando aquela raminéia que não cabia, não descia, não existia, não digeria, não pegava, não podia... E ele ia...ia...ia...ia...ia...ia...ia...ia...

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