sábado, 24 de dezembro de 2011

PARA NÃO-VOCÊ


Minha história começa no fim. Acordei em uma manhã quase quente, em meio ao desespero matei minhas plantas, e junto delas, matei você.  Escolhi-te, com toda a dor e todo mal, escolhi você. É assim, a gente escolhe quando menos imagina. Imaginação fértil e inexistente na prática maliciosa do silêncio. Hoje sendo clara, eu sinto apertos, garganta rasgada em cigarros e gritos engolidos a força, ainda não acredito que acreditei em você. Esse você que não reconheço mais, que não faz parte de nada que um dia eu vi nascer.  Guardei os trapos, refiz os pedaços, endireitei minha alma. Chega de escrever pra você. Chega de acreditar que algo poderia mudar e ainda ter esperanças em um bom caráter que não existe. Você não existe. Esse você que inventei é somente meu, isso que ainda carrego, é meu feto, meu morto.  Esse não-você é minha falta, esse você é minha gargalhada tristonha de ter me esbarrado com o mal. O não-você é nostalgia, bons momentos, minha felicidade de criação, meu amigo imaginário, minha boneca de vidro, meus estados de artista. Esse você é uma dor rançosa, enlameada, freio, desistência, falta de força. Não-você ainda existe em mim, nos meus sonhos, faz parte do amor que sinto. Você é mágoa, tristeza, decepção. Não-você foi o amor que perdi, a morte que escorreu pelos dedos, a necessidade de realidade e cuidado. Você é farpa, espinho, maldição, doença, coceira, íngua e pesadelo. Não-você é saber até onde consigo ir, até onde consigo criar, minha potencialidade exacerbada e meu amor imenso por tudo. Você dói, você maltrata, você arranca, você ensurdece e despotencializa o potencial. Não-você sou eu, tudo o que projetei e vi nascer. Você é vampiro. Não-você é flor. 

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