Ela escolheu a rua da esquerda. Asfalto quente, 10º lua do ano, cheia, extremamente cheia. Seu vestido era curto, nos pés uma sandália alta, um lenço preto encobrindo os cabelos enrolados e castanhos. Seu coração andava carente e machucado pelas provas da vida. Carregava nas mãos um livro, um cigarro, um isqueiro e uma loucura pequena que iluminava seu caminho. No peito carregava paz, uma paz estranha e desconhecida. Na altivez das pequenas casas, pouco iluminadas, um olhar de homem debruçou-se sobre o seu. A paz pediu licença , seu lugar foi ocupado pelo Amor. O lenço escorreu pelos ombros e uma lágrima brotou daqueles olhos castanhos que carregavam uma imensa e desabrigada dor. Não esperava encontrar o seu grande amor assim, nesse instante de fraqueza e força, certeza e incerteza, deu ao homem a opção de descer e viver com ela. O céu estava limpo e algumas estrelas brilhavam tão intensamente que o céu mais parecia um sol. Do outro lado o homem teve medo, era bonito, estranhou a fixação com que seu corpo olhava pra ela, sentiu-se mal e não soube reconhecer que aquele mal era um bem que o destino lhe dava de presente. Como um verdadeiro predador ,que prefere o excesso a escolha decisiva de uma única alma, pulou diretamente para os braços da ninfeta cor de mel que o esperava sentada na sacada. Ela abaixou novamente a cabeça e cobriu-se com o tecido negro, continuou o caminho pela rua esquerda, e sangrou a morte do amor que viu morrer pelo medo da escuridão leve e reveladora, divina até. O tempo correu, nosso homem já envelhecido e sozinho, resolveu-se, pela primeira vez, escolher o caminho da esquerda. Inesperadamente, como um susto que tomamos despercebidos, ele deparou-se com a casa e a imagem sépia da mulher que o esperava na sacada, aquela mulher que anos atrás despertara nele coisas que nenhuma outra jamais alcançou. Aquele homem chorou, chorou como nunca havia chorado, e doeu tão intensamente que seus olhos explodiram e ele passou a ver, mas ver era pedra lhe arrancando os ossos, ver era pesado e ele queria ser leve, ver era prisão e ele queria ser livre, ver era forte e ele precisava ser fraco, ver era ter que escolher e ele preferia a falta de opção que lhe lançava um leque de novas possibilidades. Em meio a soluços e lembranças acendeu um cigarro, deu meia volta e adentrou, tateando a calçada, pelo caminho da direita. Mas agora ele carregava no espirito o feto morto do amor que deixou-se perder na prisão da dúvida e no medo do desconhecido. Cego e sem amor, ele seguiu seu caminho de certezas suicidas e uma paz sufocante que o deixaria levemente como um gostosão-falso-feliz-solitário-filosofo-das-estradas-que-percorria. Um Deus, um Deus cego sem paraíso, sem amor, sem trono, sem céu, sem vinho, sem ele mesmo e sem ninguém. Preso na liberdade mentirosa e medíocre que escolhe pra si...Seguiu cego e feliz. Ela encontrou a magia única de sentir-se amando, cultivou um jardim com todas as espécies de rosas em dedicação a ele. Todos os dias dedicava horas imensas aquele jardim, trocando terra, retirando pragas, conversando com as plantas. Alguns diziam que ela estava louca e deprimida. Outros a taxavam de esquizofrênica infeliz. Mas a maioria a percebia triste e sem ninguém. Um dia, cuidando das rosas, ela viu brotar da terra um buraco e de la emergiu um Ser que a chamou de amor, quando o viu ela disse: Passei todos esses anos cuidando das minhas plantas e do meu amor, para poder lhe dar de presente quando você aparecesse. Enfiou-se terra abaixo e desapareceu, no fundo do mar negro escondido embaixo dos nossos pés, ela gozou o amor livre e sincero, e agradeceu aos Deuses a espera insistente que ela manteve por ele. Um novo amor que não era o seu, mas escolhendo, passou a ser.
Milhões de anos depois a mulher, que foi transformada em bruxa do louco amor poético, encontrou-se com aquele homem que havia negado seu amor, e tinha sido transformado em um semi-deus do silêncio cego ensurdecedor. O olhar de ambos encheram-se de lágrimas, ele deu um grito e pediu ao Deus Maior que lhes desse uma nova chance. O céu se abriu em trevas e começou a chover, rapidamente a semi-deusa amada que encontrava-se a sua frente, foi se desfazendo em lama. Desesperadamente ele tentou agarra-la, mas ela escorria pelos dedos, e ele chorava, e ele via, e ele gritava, e ele tremia. Da terra, ela vociferou chorando e gozando: Não! Eu não te amo mais, porque com o tempo eu plantei rosas, com o tempo eu cuidei da terra, com o tempo eu cultivei o amor, com o tempo eu te esperei e com o tempo minha terra virou lama, minha lama tornou-se rosa, minha rosa virou beleza, minha beleza uma inebriante loucura e minha loucura transformou-se em amor. Não a tempo, nem beleza, nem um novo e genuíno amor que resista a espera de um velho amor, rejeitado e dolorido pelo tempo. Segue como um semi-deus, que é esse o lugar que te pertence, eu sigo como bruxa que é o papel que me cabe...Adeus!
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