Amo minhas lembranças. São elas que me compõe. Tudo aquilo que fiz, tudo o que vivi, tudo o que me corta e acaricia. É bom voltar à alma para o passado e ter a certeza de tudo. Cada decisão tomada, cada choro e impulso. Os medos que tive, a coragem que senti, os desesperos sem nexo, as aventuras inigualáveis, os amores intensos e as amizades floreadas de gente. Sim, eu sou uma artista, não me envergonho disso e não possuo medo algum de dizê-lo. Medo eu teria de ser sensata, controlar os sentimentos e as palavras que saem no calor da emoção. Medo eu teria se meu futuro fosse certo, se os alugueis estivessem pagos, e se o contrato durasse mais de um ano. Não sinto medo da minha vida, hoje não, e que maravilha não saber do amanhã. Já morei sozinha, já passei fome, já pintei quando o teatro me sufocava, já escrevi quando a pintura não me bastava. Com a plateia cheia eu gritei para um único cara, segurando o choro na garganta: “Te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê”. Gritei pra humanidade, mostrei a barriga mole e a alma insensata. Rasguei as amarras, já rompi com determinações e ridicularizei o cotidiano. Não preciso de ninguém e possuo uma dependência interminável nas pessoas que me cercam. Sim, sou contraditória, e arregaço as mangas pra dizer que estou tentando. Não é fácil, mas quem disse que seria?! Já fui humilhada, já ganhei prêmio, já me elogiaram bastante pelas coisas que escrevo e já criticaram dolorosamente a forma que escolhi de estar em cena. Vivo em cena, prefiro a tragédia ao drama, gosto dessa coisa meio Stanislaviskiana de estar no mundo. Embalando as noites de jazz, vinho e aquele pianista maravilhoso que às vezes toca na TV, eu sigo. “Sobrevivo a mim mesma”, Clarice e Sartre são as inspirações para o niilismo e esperança que me salvam. Acredito em Deus e na forma mais exata, sofrida, bela e dolorida de estar, ser. Acredito cegamente no amor e vivo por ele, produzo através dele, sou dentro dele. Amor em tudo, por quase tudo, absolutamente em tudo que coloco as mãos, os olhos, as palavras, o sexo, o corpo, a alma. Quanta satisfação eu sinto quando observo os caminhos que permeei, as cachoeiras que tomei banho, as cidades que conheci, os porres que tomei, as conversas sublimes, os encontros mágicos, os amores surrados, o macarrão que durava uma semana, a roupa rasgada e remendada milhões de vezes, o aperto no peito de saudade da família mas aquela vontade cega de seguir o meu caminho, mesmo que doesse. Meu corpo vibra com uma felicidade ainda desconhecida quando o que fica são lembranças. Solilóquios alquimistas após o banho no mar revolto e na tempestade de palavras, sobrevivo. Um suntuoso silêncio me agrega a tudo e todos, não deixo de ser e isso me iguala. Quero a beleza do inesgotável, mesmo que dela a feiura se torne sublime. Parafraseando Anais Nin: Eu me recuso! Me recuso viver uma vida ordinária, como uma mulher ordinária a estabelecer relações ordinárias. Não me adapto ao mundo, me adapto a mim mesma. Mesmo que seja um completo deserto, prefiro morrer de sede sabendo que tentei. Me recuso à essas relações imbecis e vis, detesto quando o outro não se entrega, odeio quem age por cautela e não vive por amor. Piedade Senhor! Piedade! Pra essa gente careta e covarde!!!Me segura Cazuza, me segura que hoje eu tô extremamente exagerada e feliz!!!!!!!
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